O que resta escrever
No qual o autor dessa newsletter revela sua ambivalência em relação ao uso de material autobiográfico
Em geral, depois de publicar um livro, o ideal é abraçar o silêncio por pelo menos um ano; podemos chamar isso de detox. Qualquer tentativa de escrever nesse período ainda estará contaminada pelo texto anterior, pelo ritmo, a prosódia, a vida íntima dos personagens que seguem como fantasmas teimosos &c.
Na verdade, não apenas publicar um livro; imagino que o mesmo valha para escrever uma tese ou terminar qualquer sorte de projeto grande de vida.
O problema grave chega durante o pós-detox, quando o passado foi filtrado pelo rim & saiu do sistema, e temos que recomeçar do zero, como cegos sem bengala.
Digo, sem brincadeira, que parece que preciso reaprender o alfabeto toda vez. Iniciar qualquer projeto novo traz uma frustração imensa porque parece que sempre, não importa a experiência, estamos diante do nosso primeiro livro. As regras precisam ser reinventadas.
EDIT: Maria Müller, pelo Instagram, trouxe essa frase do Borges, provando que esse mal-estar não é exclusividade minha:
De fato, toda vez que me deparo com uma página em branco, tenho que redescobrir a literatura pra mim mesmo. (In: Esse ofício do verso)