Consultório da loucura #6
No qual o autor trata de: como lidar com críticas negativas, se dá para escrever ouvindo música, e o papel dos amigos-leitores-beta
P: Qual é o papel dos amigos no processo de escrita? Há muitas trocas?
Quem já leu qualquer livro meu sabe que, ao final, boto uma folha de agradecimentos e listo gente que leu primeiras versões. Claro, a leitura mais completa, severa & profissional é a de um editor, mas amigos são úteis porque representam, mais do que um editor, um leitor bem intencionado, que busca entender onde você quer chegar (pois é seu amigo) e pode dar toques apontando onde você não chegou. Claro que é legal passar o texto por amigos escritores, mas também por amigos que são leitores comuns, que sempre enxergam problemas que ninguém mais viu. Em geral, o leitor comum tem um olhar maluco para erros de continuidade (“Fulano calçou um sapato e na cena seguinte está de Havaianas!”).
Por algum motivo, faz tempo que nenhum amigo me convida para ser leitor beta. (“Algum motivo” = provavelmente porque sou insuportável. Ou porque costumo fazer leituras pagas e ficam com vergonha).
E sempre que tenho uma ideia nova para um romance, ou seja, para um projeto que vai demandar pelo menos três anos de trabalho, saio contando a ideia para amigos próximos, para ver se: 1) acham muito parecido com algo já publicado; 2) acham a ideia ridícula. Tenho arrepios de pensar em trabalhar anos e anos em um projeto e depois jogar fora (curiosamente, isso quase aconteceu com meu último romance, mas esse assunto fica para outro dia).
P: O que você acha de colocar música para escrever? Prefere o silêncio?
Ah! Quando eu era mais neurótico, só podia com música instrumental, o que me levou a ser um miniespecialista no subgênero ambient, aquele mesmo difundido por Brian Eno e que depois deu origem a coisas maravilhosas como este disco do Eluvium. Mas, pouco a pouco, notei que conseguia ouvir música desde que esta fosse cantada em outra língua que não a que eu estava escrevendo. E, assim, virei fã de botar música para escrever, e a deixar, justamente, que a música contaminasse meus escritos (penso, por exemplo, na cena de As perguntas em que entra textualmente uma canção dos Chromatics). O mais legal, depois, é montar uma playlist dos livros, para quem for ler coabitar o mesmo espaço sonoro que você tinha em mente ao escrever.
Há ainda o fator fone de ouvido, aqueles que cobrem as orelhas. Eles ajudam a se isolar do mundo e a gerar uma bolha muy útil para a criatividade.
(por sinal, aqui está a pl do As perguntas, com direito a uma música de witch house, subgênero realmente obscuro que tem apenas dois fãs no Brasil; todavia, sei que muita gente deve pular a faixa quando chega lá)
Curiosamente, a editora que me representa na França, a Asphalte, sempre colocou, em todos os seus livros, uma playlist para cada obra. É algo bem de editora pop, mas que me interessa como leitor. Não resisto e escuto todas as que criam e soltam no mundo por aí de livros que leio. (por sinal, como tem autor com gosto tenebroso para música, eita) (sim, estou ciente de que devem falar o mesmo de mim).
P: Como você lida com as críticas, em especial as severas?
Roberto Bolaño escreveu (jocosamente?) a seguinte resposta:
Cada vez que leio que alguém fala mal de mim começo a chorar, arrasto-me pelo chão, arranho-me, deixo de escrever por tempo indefinido, o apetite diminui, fumo menos, pratico esportes, saio a caminhar pela orla do mar, que, entre parênteses, fica a menos de trinta metros de minha casa, e pergunto às gaivotas, cujos antepassados comeram os peixes que comeram Ulisses, por que eu, por que eu, que nenhum mal lhes fiz?
(trad. Joca Terron)
Acho que as primeiras resenhas detonando nunca se esquecem , né? Quando me chamaram em folhas impressas de Sessão da Tarde Literária, de imitador de Cortázar, de Thomas Pynchon fracassado (essa última tem um quê de verdade)…
É um longo aprendizado desenvolver casca grossa. Mas a grande lição que aprendi foi: JAMAIS, JAMAIS PASSAR RECIBO. Jamais. Sob hipótese alguma.
Se consultado, agradecer a leitura que a pessoa fez. Afinal, a pessoa se deu ao trabalho de ler aquilo que julgou um lixo e ainda de expor ao mundo essa podridão.
Meu pai, que tinha exatamente o mesmo nome que eu, costumava procurar o seu/meu nome no google (o chamado Egosearch), e se deparava, inevitavelmente, com essas pedradas. Ele me perguntava: “Filho, o que você fez em Curitiba? Todos os curitibanos te odeiam!”. (esse mistério persiste até hoje, anos após a morte de meu pai).
Nos dias correntes, posso dizer que dou muita risada com boa parte das pancadas que levo por aí. Adoro ler as resenhas de 1 estrela da Amazon, afirmando que pediriam o dinheiro de volta se não tivessem baixado o livro de graça, entre outras mensagens de teor igualmente agradável. No Twitter, graças à anonimidade, às vezes sinto como se tomasse um cuspe de um estranho enquanto caminho tranquilo pela calçada.
Mas a casca grossa, ou a armadura, se desenvolve. Como?
Algo que aprendi foi que, se você (= o autor) gosta do que escreveu, as críticas afetam menos. Comecei a gostar de fato do que escrevo só a partir do meu quinto livro publicado (As perguntas) — curiosamente, um livro que foi meio desastroso de crítica. Sei que transmiti, através da literatura, coisas que são profundamente relevantes para mim. Se a mensagem não chegou ao outro lado, se encontrou ouvidos surdos, faz parte do jogo complexo e inabarcável que é a expressão artística.
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Meu Deus, Antônio! Sério que tu não sabe o que aconteceu em Curitiba?
Sim, foi uma piadinha. A verdade é que todo mundo odeia todo mundo em Curitiba, inclusive quem tiver lendo esse comentário, lamento.
Apenas para dizer que esta playlist sobre "As Perguntas" está aprovada pelo fato de começar com uma música da Grouper.