Não acredito que mais uma vez preciso começar uma news pedindo desculpas por atrasos etc. Desde que abri a versão paga da news me cobro frequência e constância enquanto a vida tem se botado no meio do caminho; de uma morte repentina na família que me levou a porto alegre por alguns dias à copa do mundo que me forçou a reagendar quilos de aulas. De certa forma, essa introdução tem tudo a ver com a pergunta que foi a única selecionada para esse consultório da loucura; ela trata de como não desistir de projetos longos. E essa news não é um romance ou um doutorado, mas também é um projeto duradouro.
P: O que tem no seu kit de primeiros socorros pra sobreviver à escrita de projetos longos & demorados?
Antes de ter filho, eu gostava de espalhar uma verdade a meu respeito: a de jamais descumprir prazos. Nunca atrasar traduções, nunca entregar resenhas depois da data estabelecida &c. De fato, a única vez que me lembro de ter atrasado algo foi quando quebrei o ombro e perdi o movimento do braço esquerdo por +-2 meses. Depois, quando se vira pai, você tem uma desculpa eterna (e sincera) para atrasar. Uma criança, afinal, é um kinder ovo diário.
Por que comecei falando disso para responder a essa pergunta?
Porque definir prazos, ou melhor, ter prazos definidos por outros é um incentivo desgraçado para você focar em TERMINAR seja lá qual projeto longo você se propôs a fazer. E, ainda assim, no mercado editorial há casos lendários de pessoas que dão um perdido e entregam seu trabalho séculos depois. Alguém lembra do Amores Expressos da Companhia, que enviou escritores a tudo quanto é canto do mundo e o plano era lançar tudo em, se não me engano, um ano? Pois bem, até hoje saem livros que deveriam ter chegado às livrarias uma década atrás. Escritor é um bicho complicado.
Então prazos não funcionam para todo mundo. E nem sempre temos prazos. O que nos leva à segunda parte:
o que fazer com projetos pessoais, que não tem um chefe/editor/empresa nos cobrando? quando nos propomos a escrever um romance que, a priori, ninguém sequer sabe da existência?
Apesar de eu ser um “““escritor estabelecido”””, até hoje sinto que meus projetos de livro são tiros no escuro (ai que metáfora horrível, mas pelo menos não usei a palavra “abismo”). Não tem prazo, não tem ninguém cobrando e nada me impede de desistir de um projeto quando sinto que cheguei num beco sem saída, que não vale o esforço etc.
Então, por que não desistir? Não vou bancar o coach e dizer “não desista jamais”. Já abandonei sei lá quantos projetos de livros. Muitas vezes, a desistência é uma ótima solução e o projeto no qual você está trabalhando é sim uma merda e você está perdendo tempo (ou não, pois muito se aprende com os erros). Mas não há motivo para gastar mais tempo e trabalho mental naquilo além da teimosia. Então desista. (na ótima biografia de Paulo Coelho, por F Morais, conta-se que Coelho um dia jogou fora um romance inteiro — e olha que ali tinha milhões de dólares em jogo).
A questão complicadora é a seguinte: nós mesmos somos sempre as piores pessoas para julgar nosso próprio trabalho. Por isso, antes de eu desistir por completo de um projeto, consulto um terceiro. Alguém de fora, que vai saber me dizer com alguma objetividade que certamente não possuo, se aquilo vale a pena.
(Como já contei mil vezes, Uma tristeza infinita foi resetado do zero (antes se passava na São Paulo dos anos 1930) e por muito pouco não foi abandonado lá pela metade; fui persuadido a não largar o projeto).
Retornando à pergunta original: o que possuo no meu kit de primeiros socorros? 1) a opinião de outras pessoas às vezes fornece alento & direcionamento. 2) outro truque que não mencionei até agora: às vezes é bom interromper um projeto longo e fazer um projetinho para distrair a cabeça. Foi assim que lancei o meu continho sobre identidade no mundo de hoje em uma trama estapafúrdia em Foz do Iguaçu. Um microprojetinho sem relação com o projeto grande ajuda a limpar o cérebro e nos mostra que ainda somos capazes de escrever — pois sempre, no meio de um projeto grande, temos uma crise tão severa que pensamos que contraímos analfabetismo viral; 3) dar um tempo também ajuda. Ficar dois meses sem pensar no projeto e depois retornar com um olhar fresco. É melhor que simplesmente abandonar de vez, também. Embora, repito, não tem nada de fraqueza em desistir. Comparo desistir a pedir demissão: tem vezes que é uma delícia.